Muitos correm atrás de receitas milagrosas para mudar a educação. Se
fossem simples, já as teríamos encontrado há muito tempo. Educar é,
simultaneamente, fácil e difícil, simples e complexo. Os princípios
fundamentais são sempre os mesmos: Saber acolher, motivar, mostrar valores,
colocar limites, gerenciar atividades desafiadoras de aprendizagem. Só que as
tecnologias móveis, que chegam às mãos de alunos e professores, trazem desafios
imensos de como organizar esses processos de forma interessante, atraente e
eficiente dentro e fora da sala de aula, aproveitando o melhor de cada
ambiente, presencial e o digital.
Algumas questões que serão cada vez mais debatidas a partir de agora
são: Por que tudo tem que acontecer dentro da sala de aula, em horários e
ritmos predeterminados? Como ensinar numa sala onde os alunos acessam qualquer
informação ao vivo? O que fazer nos ambientes digitais e nos presenciais? Como
organizar um currículo inovador com alunos que possuem redes informais de
aprendizagem e de comunicação tão interessantes?
ALGUMAS
ILUSÕES DE MUDANÇA
Há uma expectativa crescente de que agora a escola mudará rapidamente.
Já vimos esse filme muitas vezes. Quando participei no começo dos noventa do
projeto Escola do Futuro da USP, imaginava que a estas alturas do século XXI já
teríamos escolas muito diferentes, currículos inovadores, flexibilidade em
organizar os percursos de cada um. Mas constatamos que as mudanças foram, em
geral, mais periféricas do que profundas.
Outra ilusão é a de que entregar tablets e netbooks para professores e
alunos provocará uma grande revolução. Gostaria que fosse assim. Sem dúvida é
um avanço promissor. Mas se depositarmos muita esperança nessas políticas
quantitativas, poderemos frustrar-nos rapidamente. As tecnologias trazem muitas
possibilidades, mas, sem ações de formação sólidas, constantes e
significativas, boa parte dos professores tende, após a empolgação inicial, a
um uso mais básico, conservador - repositório de informações, publicação de
materiais - enquanto os alunos podem seguir utilizando-as para inúmeras formas
e redes de entretenimento,como jogos, vídeos e conversas online.
DESAFIOS
QUE OS TABLETS TRAZEM
A chegada das tecnologias móveis à sala de aula traz tensões, novas
possibilidades e grandes desafios. As próprias palavras “tecnologias móveis”
mostram a contradição de utilizá-las em um espaço fixo como a sala de aula:
elas são feitas para movimentar-se, para levá-las para qualquer lugar,
utilizá-las a qualquer hora e de muitas formas.
Como conciliar mobilidade e espaços e tempos previsíveis? Por que
precisamos estar sempre juntos para aprender? A escola precisa entender que uma
parte cada vez maior da aprendizagem pode ser feita sem estarmos na sala de
aula e sem a supervisão direta do professor. Isso assusta, mas é um processo
inevitável. Em lugar de ir contra, por que não experimentamos modelos mais
flexíveis? Por que obrigar os alunos a ir todos os dias repetir os mesmos
rituais nos mesmos lugares? Não faz mais sentido. A organização industrial da
escola em salas, turmas e horários é conveniente para todos – pais, gestores,
professores, governantes – menos para os mais diretamente interessados, os
alunos. Ter todos os alunos dentro de um espaço previsível todos os dias dá
segurança, tranqüilidade para os adultos – os filhos estão protegidos, os pais
podem se dedicar aos seus trabalhos, os professores e funcionários se organizam
em horários fixos.
A ESCOLA
NÃO MUDA POR INÉRCIA E POR CONVENIÊNCIA.
Poderíamos ensinar e aprender
somente indo dois ou três dias por semana a uma escola e continuar aprendendo
através das inúmeras possibilidades dos ambientes online. E o que faríamos com
os filhos no restante do tempo? E como orientar todo o processo de aprendizagem
a distância? Como transformar isso em horas aula no currículo? Como gerenciar
–econômica e didaticamente – esses horários virtuais? Por isso a orientação no
mundo permanece no sentido contrário: aumenta-se o número de horas que os
alunos permanecem na escola (tempo integral) e continua-se colocando como
modelo de educação o os países nórdicos, que valorizam muito mais o professor
(importantíssimo) e resolvem tudo na sala de aula com poucas tecnologias (aqui
está um dos desafios da mudança).
Viveremos nestes próximos anos um rico processo de aprendizagem na sala
de aula focando mais a pesquisa em tempo real, as atividades individuais e
grupais online, mudando lentamente as metodologias de transmissão para as da
aprendizagem colaborativa e personalizada. Aos poucos perceberemos que não faz
sentido confinar os alunos na sala de aula para aprender. Podemos organizar uma
parte importante do currículo no ambiente digital e combiná-lo com as
atividades em sala de aula de forma que o projeto pedagógico de cada curso
integre o presencial e o digital como componentes curriculares indissociáveis.
O digital não será um acessório complementar, mas um espaço de aprendizagem tão
importante como o da sala de aula. Evitaremos a esquizofrenia atual de manter o
mesmo número de aulas presenciais de sempre e ainda pedir para professores e
alunos que utilizem o ambiente digital como repositório de materiais, espaço de
debate e de publicação.
Com o tempo fará sentido para a maioria repensar os horários, os espaços
e as formas de organizar os processos de ensino e aprendizagem. É uma questão
de amadurecimento e de profundo intercâmbio de experiências para construir
propostas mais arrojadas, testadas e aceitas. Demorará mais do que gostaríamos,
mas a chegada das tecnologias móveis à sala de aula é como um cavalo de Tróia.
Em curto prazo parece que pouco vai mudar; mas em médio prazo nos obrigará a
reorganizar o tempo, o espaço e a forma de ensinar e aprender. Os desafios a
nossa frente são fascinantes.